A capa da semana...


Cheguei em Uberlândia ontem, após alguns dias de descanso (merecidos, já que eu estava à beira de um colapso!) e ao verificar o montante de correspondências, entre contas (essas minhas companheiras fiéis), jornais, folhetos e similares, deparo-me com as revistas semanais Veja e Época, e como era de se esperar o assunto da capa da última semana: Isabella Nardoni, ou melhor, o julgamento e condenação dos autores.

Achei a capa da Veja de extremo mau gosto e principalmente carente de qualquer criatividade, com dizeres que remetem ao sentimento daquela multidão que se acotovelou na porta do fórum de Santana em São Paulo.

Quanto a essa capa, vou reproduzir as palavras escritas em um comentário na coluna do "Fim de Expediente" no site g1.com.br, o autor Celão assevera:

Essa capa infeliz da Veja só reforça a perigosa confusão entre o ideal de justiça e a sede de vingança, quanto mais por ter atribuído esta última, cruelmente, à própria vítima assassinada – como se, tal qual num filme de terror de quinta categoria, ela tivesse ficado por aqui, vagando, à espera da libertação espiritual mediante a condenação dos assassinos.
Verdadeiro desrespeito à menina Isabela e aos familiares dela e de todos os envolvidos, que suportarão as indeléveis consequências do lamentável ocorrido.
Verdadeiro desrespeito, por fim, à própria sociedade brasileira, por ter sido desperdiçada mais uma oportunidade de se esclarecer na mídia por que todos têm o direito à presunção da inocência enquanto não condenados definitivamente, e o quanto é temerário à noção de civilidade o estímulo a qualquer associação entre o julgamento de um crime doloso contra a vida no Tribunal do Júri e um duelo de gladiadores numa arena.

Nunca fui fã de Direito Penal, sempre soube que os acadêmicos da graduação de direito são apaixonados originalmente por esse ramo, até descobrirem as demais áreas (inclusive as mais vantajosas financeiramente), mas pra mim, foi cumprir o conteúdo curricular, mas claro, devo reconhecer que alguns temas são muito bons. Aliás, em sede de teoria é muito bacana, mas a minha preguiça se volta para a operacionalização da coisa... prefiro tentar entender o ser humano sem me envolver diretamente com ele... os números estatísticos são bem mais interessantes que os diálogos no processo penal (essa é minha modesta opinião).

Mas o que me causou uma espécie de mal estar, foram aquelas manifestações populares, e após digerir aquelas pessoas ali, dominadas por uma "mão invisível", todas numa espécie de solidariedade, mas sobretudo reforçando a minha impressão de que o povo se fortalece na presença de mártires, e na minha leitura dos fatos a criança que pereceu na mão dos seus algozes converteu-se numa mártir, símbolo da violência doméstica contra a criança e o adolescente, e isso deveu-se principalmente ao fato dessa violência ter atingido a classe média, e como bem disse a minha irmã: "a barbárie é para os bárbaros". Enquanto a violência atinge as crianças pobres ou miseráveis, desprovidas de qualquer dignidade desde o nascimento, isso já não choca tanto, apesar das inúmeras crueldades cometidas contra "Isabelllas", os números são alarmantes.

Além desse aspecto, há ainda os que se valeram do episódio para aparecer e até ganhar uns trocados vendendo um cafezinho... é o jeitinho brasileiro de ser!

Pouco antes da sentença ser prolatada comentei com meu esposo que na hipótese de absolvição (hipótese possível!), era de se esperar uma revolução, um entrave entre aquelas pessoas que estavam ali com a polícia bem como a tentativa de agrssão contra aqueles que discordaram do sentimento de justiça (ou vingança) que motivou a movimentação. Para o bem da ordem pública o resultado alcançado no julgamento coincidiu com o sentimento da população.

Não me atrevo a tentar compreender o tamanho da dor, sobretudo da mãe que perdeu a filha em circunstância tão cruel, não poderia fazê-lo porque meu instinto e sentimento de mãe não alcança essa dor e com ela me solidarizo, mas também não entendo tamanha mobilidade em torno desse caso, em particular.

Acho que o caso produziu bons resultados, pela celeridade e pela competência do trabalho pericial, que mesmo inexistente a confissão, foi suficiente para atribuir a responsabilidade aos autores. Seria muito bom para a justiça brasileira que os crimes fossem investigados e trabalhados da mesma forma, sem conclusões calcadas em meras suposições, e o ideal seria que fossem trabalhadas diversas linhas de investigação, e não apenas uma, e talvez a mais óbvia, não se pune a suposição (ou ao menos não se deveria punir), a verdade que o Direito Penal procura é a real, para que ao final a justiça seja alcançada e na incidência de dúvida quanto a autoria, vale o in dubio pro reo, melhor absolver um culpado por falta de provas do que condenar um inocente!

Existe um outro princípio no Direito Penal, inscrito na Constituição da República no art. 5º, XLV: "A pena não pode passar da pessoa do condenado". A rigor, judicialmente isso não aconteceu, mas a sociedade "condenou" a família dos acusados, vaiando e proferindo xingamentos, além de agredirem o advogado de defesa dos Nardoni e sabendo que a crueldade das pessoas extrapola o limite do razoável, bem provável que nem os filhos do casal serão poupados, esses duplamente já penalisados pela perda da irmã e do convívio com os pais, serão vítimas de palavras e atitudes cruéis.

Esse episódio só reforça a minha idéia de que nosso país carece de uma reformulação urgente no sistema educacional, é preciso, de forma urgente e imperiosa que cidadania seja ensinada desde as primeiras letras, que ética seja um conteúdo que perpassa os demais, como forma de se alcançar isonomia e imparcilidade e uma justiça efetiva.

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