Dor!



Ao abrir o portal de notícias G1 me deparei com a imagem acima: um pai carregando o corpo do filho, vítima de um deslizamento no Rio...

Segundo o pai, ainda ouviu o filho chamar pelo seu nome, quando novo deslizamento aconteceu.
A história dessa família é a história de outras tantas famílias que ano após ano vem engrossando as estatísticas dos acidentes decorrentes das chuvas e sempre as mesmas desculpas e nenhuma resposta razoável.

Até quando?

Existe tolerância em relação às milhares de famílias que se amontoam nos aglomerados urbanos? Ou será omissão? Afinal de contas, dado o tamanho do Estado Brasileiro, a projeção nacional com sua economia crescente (descontados os desvios e desperdícios) deveria haver espaço para urbanização e consequentemente implementação de ações para minimizar os riscos.

A impressão que marca meu pensamento é que vivemos no país das maravilhas, um mundo de faz de conta em que a realidade é tão destoante do discurso que chega a provocar náuseas.
Após as tragédias fica o sentimento de desânimo, porque no fim das contas fica tudo como está... só tapando buraco!

Vendo a dor, o choro e desespero de quem perdeu tudo me lembrei dos dizeres da Marta Suplicy: "Pobre vive dizendo que não tem nada, aí quando tem enchente diz que perdeu tudo"... sempre o tom de ironia, deboche, descaso, omissão e isenção (aconteceu mas a culpa não é minha!)!

Assim são tratados aqueles que gozam de "invisibilidade social", no fundo todo mundo prefere ignorar porque as imagens são feias, contrastantes com o luxo, com o bom gosto, com o belo!

É a vida marginal, sem acesso ao essencial como saneamento, saúde, educação digna e segurança!

Aliás, falta tanta coisa que impensável dizer de dignidade, e aqui valho-me da premissa kantiana sobre esse atributo essencial do humano: "No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade." Pelo que é razoável dizer que quem é desprovido do essencial à manutenção da própria integridade, quem é deixado viver em casas construídas sobre lixões, em encostas, várzeas não podem receber o título de dignidade, mas apesar disso são, ainda que precariamente, cidadãos brasileiros, permanecendo inalterada a obrigação de votar!

Que essa tragédia possa servir de reflexão sobre o que está por trás de tudo isso, a omissão secular que impregna o sistema político brasileiro, que prefere apontar como culpados os antecessores mas que pouca ou nenhuma solução oferece.

A solidariedade é traço marcante do brasileiro, e nesse momento são várias as campanhas para doação de alimentos, roupas, medicamentos... mas que não nos esqueçamos das obrigações próprias do Estado inscritas na Constituição Federal e que são precariamente cumpridas...

No momento, só me resta o sentimento...

Read Users' Comments (2)

2 Response to "Dor!"

  1. Ana Luiza Araújo, on 12 de abril de 2010 às 03:08 said:

    Belíssimo texto, vc escreve muito bem mesmo!
    mas, para além de gostar de te ler (independente do que estiver escrito)acho que não devemos tambéme esquecer que nem toda medida reparadora por parte do governo é bem aceita. Ja vi muitos mendigos serem retirados das ruas e voltarem por saberem viver sem a esmola que compra a cachaça. O prefeito do RJ sancionou um decreto autorizando que seja usada a força para retirar moradores das áreas de risco. Não porque ele é mau, mas porque estas pessoas ja foram avisadas que vão morrer se permanecerem ali, mas se recusam a sair. Depois que o pior acontece as pessoas aparecem no JN culpando o governo. Realmente precisamos de medidas mais eficazes, mas a colaboração tem que ser de ambas as partes.

  2. Branquinha, on 12 de abril de 2010 às 05:14 said:

    Concordo com você... sei do quanto as pessoas são resistentes a mudanças e em BH ocorreu uma caso trágico no qual 9 membros de uma mesma família foram soterrados no Morro das Pedras, todos cobraram da prefeitura e no fim o pai que reclamava das condições de vida no aglomerado já havia sido beneficiado com uma casa nos programas habitacionais.
    Muitos, infelizmente, preferem o risco a morarem nas áreas mais distantes...
    O problema é que tragédia vende, né?
    E o Estado tem poder pra retirar essas pessoas, ainda que com o uso da força... mas daí vem alguns grupos dizer que isso fere a dignidade, os direitos humanos e blablabla... e serão os mesmos grupos a apontarem do dedo e dizerem que o Estado falhou.
    É um assunto complicado, todas as opiniões serão fragilizadas pois existem omissões sob qualquer ângulo... mas ainda acredito que o Estado tem o dever de garantir a segurança e a integridade, ainda que contrariando os interesses dos que preferem correr o risco (defeito de quem estudou Direito! kkkkkkkkk)
    Tbém gosto muito do seu jeito de escrever e vou ser sempre grata ao João pois foi através do blog dele que achei o seu!
    Bjo