Eu nasci no pé de um morro!
Minha rua terminava numa favela
E ali moravam pessoas muito bacanas
Mantíanhamos uma boa relação com a vizinhança
Nós, quando criança, transitávamos pelos becos e cortávamos caminho por lá
Mas de repente aquela paz se foi...
Acabou-se!
Claro que sempre houveram problemas e pessoas de índole duvidosa
Mas as lembranças da minha infância não são feitas de tiros e mortes
Vivi momentos de uma infância feliz ali
Criança não costuma fazer distinção entre as pessoas, são todos parceiros de brincadeiras
E iguais!
Ao menos no jogo do faz de conta!
O fato é que meus pais alternavam de moradia, a cada três anos em média nós mudávamos de casa e de ares
Até que meus pais se separaram e em 2000 retornamos para a "nossa rua"
Eu, Lu e João
E aí a realidade se descortinou de forma cruel à nossa frente
A violência derivada do tráfico invadia nossas vidas com sua frieza e crueldade
E ali presenciávamos aquelas cenas de documentários de TV com a diferença de sermos protagonistas daquele universo
Tiroteios a qualquer hora do dia
Homicídios
Drogas
E todos os problemas sociais que dele pudessem decorrer
Assistimos antigos "parceiros" de brincadeira se envolverem com drogas e muitos morrerem como bichos...
E havia uma menina
Pequena, de uns sete anos
Que um dia, enquanto eu voltava para casa me chamou de mãe e me seguiu até em casa
Pai achava que era manipulada pela mãe para auferir alguma vantagem
Se era, eu nunca vou saber
Mas me afeiçoei àquela menina que me pediu um par de chinelos
E ela andava descalça pelas ruas
E eu me lembro do dia que dei o chinelo
Depois alguns materiais escolares
Ela ía lá em casa e eu arrumava seus cabelos, dava conselhos e dava carinho
Um carinho sincero de quem queria muito deixar plantado algo de bom naquele pequeno coração
Depois nos mudamos de lá e eu nunca mais a vi
Não me lembro mais o seu nome
Mas soube, nessa última visita a BH que a menina está grávida!
Deve ter 12 anos...
No máximo 13!
É uma criança à espera de outra
E que vida terão?
Está viciada em maconha
Quando soube alguma coisa doeu em mim
Por saber que essa história não terminará desse jeito
Muitas outras meninas em todos os cantos desse país estão à espera de seus pequenos filhos
Brincarão de boneca numa triste vida real
Não tiveram a Barbie nem qualquer brinquedo que lhes favorecessem a infância
E também não tiveram pais que lhes dessem o essencial para fazerem diferente
São reprodutoras de um sistema que abandona
De um modelo familiar cruel que não cuida de seus filhos
Que não prima pela educação, pela saúde, pelo diálogo, pelo amor...
Ontem quando soube do sequestro da adolescente de 15 anos em Santo André essas idéias me vieram mais intensamente
O motivo, ao que tudo indica, é passional
Fim de um relacionamento de 3 anos!
Ou seja, era uma menina de 12 anos que namorava um rapaz de 19!
São universos diferentes, ao menos no meu entendimento!
Por mais que haja divulgação pelos meios de comunicação
E que a informação seja maior nos dias atuais
Uma menina de 12 anos é uma criança
Não tem discernimento
Não tem percepção de risco
É uma vida levada pela emoção, os conceitos são relativizados
Sem contar a imaturidade física para essas meninas...
E a infância perdeu-se... para sempre!